quarta-feira, 10 de março de 2010

(continuação 2)

Percorreram alguns metros sem nada dizer. As mil e uma perguntas, que todos os dias preparava e anotava, para não se esquecer, tinham ficado guardadas no seu diário, que deixara em casa. Em todos os dias, destes anos, sem que Tozé tivesse dado qualquer sinal, tinha imaginado e preparado minuciosamente este momento. Em cada dia, era um momento e uma situação diferente, mas a frase com que a abordou desarmou-a sem qualquer tempo para o ricochete. Apenas lhe apetecia rever, vezes sem conta, o seu novo rosto e para que este se redesenha-se nitidamente quando fechasse os olhos. Com um ar mais velho, e duas novas cicatrizes, a mais vincada ligeiramente acima da sobrancelha, e a mais pequena, por baixo do lábio, davam-lhe um um ar mais maduro e vivido, e de certeza que contavam novas histórias, das quais ela já não fazia parte.
Subitamente, um som envolvente de sirenes, típico de um bom filme de perseguição e de espiões, ia aumentando de volume, perturbando o silêncio, ao qual Tozé, de repente mudando de uma expressão de meiguicidade, se transforma num Hulk desorientado, e apenas tem tempo para a abraçar fortemente, dar-lhe um beijo na testa, diz-lhe: - "Desculpa-me. Peço-te que esperes por mim só mais uns dias." e desaparece pela rua da Saudade, ao qual novamente, Sara não tem qualquer reacção. Consegue ainda ver a sombra dele a virar a esquina, a qual permanece durante uns segundos. Nem se apercebe da quantidade de agentes, que revistam todos os cantos, todos os becos e fazem mil e umas perguntas aos transeuntes que por ali vagueiam no miradouro. Levanta-se então, sem conseguir tirar os olhos da esquina, e vai para casa, que fica mesmo ali antes das portas do Castelo.
Ainda antes de entrar em casa, e ainda em êxtase pelo reencontro inesperado, e envolvida no furacão de sentimentos, Sara, repara que a sua Mãe está à janela. Algo que já se tinha perdido na sua memória, e por momentos, parecia estar a reviver os tempos, em que ia para a escola com o seu Pai, onde se acenavam até serem interrompidos pela esquina do café do senhor Júlio. Apenas que desta vez, ao invés do acenar de um até logo, parecia-lhe mais um “Meu Deus, nunca mais chega, com esta confusão toda, será que aconteceu alguma coisa?“

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