Percorreram alguns metros sem nada dizer. As mil e uma perguntas, que todos os dias preparava e anotava, para não se esquecer, tinham ficado guardadas no seu diário, que deixara em casa. Em todos os dias, destes anos, sem que Tozé tivesse dado qualquer sinal, tinha imaginado e preparado minuciosamente este momento. Em cada dia, era um momento e uma situação diferente, mas a frase com que a abordou desarmou-a sem qualquer tempo para o ricochete. Apenas lhe apetecia rever, vezes sem conta, o seu novo rosto e para que este se redesenha-se nitidamente quando fechasse os olhos. Com um ar mais velho, e duas novas cicatrizes, a mais vincada ligeiramente acima da sobrancelha, e a mais pequena, por baixo do lábio, davam-lhe um um ar mais maduro e vivido, e de certeza que contavam novas histórias, das quais ela já não fazia parte.
Subitamente, um som envolvente de sirenes, típico de um bom filme de perseguição e de espiões, ia aumentando de volume, perturbando o silêncio, ao qual Tozé, de repente mudando de uma expressão de meiguicidade, se transforma num Hulk desorientado, e apenas tem tempo para a abraçar fortemente, dar-lhe um beijo na testa, diz-lhe: - "Desculpa-me. Peço-te que esperes por mim só mais uns dias." e desaparece pela rua da Saudade, ao qual novamente, Sara não tem qualquer reacção. Consegue ainda ver a sombra dele a virar a esquina, a qual permanece durante uns segundos. Nem se apercebe da quantidade de agentes, que revistam todos os cantos, todos os becos e fazem mil e umas perguntas aos transeuntes que por ali vagueiam no miradouro. Levanta-se então, sem conseguir tirar os olhos da esquina, e vai para casa, que fica mesmo ali antes das portas do Castelo.
Ainda antes de entrar em casa, e ainda em êxtase pelo reencontro inesperado, e envolvida no furacão de sentimentos, Sara, repara que a sua Mãe está à janela. Algo que já se tinha perdido na sua memória, e por momentos, parecia estar a reviver os tempos, em que ia para a escola com o seu Pai, onde se acenavam até serem interrompidos pela esquina do café do senhor Júlio. Apenas que desta vez, ao invés do acenar de um até logo, parecia-lhe mais um “Meu Deus, nunca mais chega, com esta confusão toda, será que aconteceu alguma coisa?“
quarta-feira, 10 de março de 2010
terça-feira, 2 de março de 2010
(sem título)
Alguns anos depois mas no mesmo local de sempre. Ela chegou primeiro e entretém-se com o telemóvel. Ele chega por trás dela, coloca-lhe suavemente um braço em volta da cintura, beija-a no rosto e diz-lhe num tom de voz que de tão suave e ansiado, podia fechar os olhos e saber que era ele, estás linda. Ela sorriu timidamente mas absolutamente extasiada por aquele elogio, não pelo elogio, não isso não, não só por isso, mas porque aquele elogio partiu dele, não se viam há anos e ele ainda a achava linda e isso espelhava-se no rosto dele, era notória a felicidade em a reencontrar, era notória nela a felicidade em o reencontrar. Estavam no meio de uma multidão de pessoas e no entanto naquele local, o do costume, não haviam mais do que aqueles dois seres. Ele perguntou se ela queria sair dali, afinal tinham tanto de que falar e apesar de serem duas pessoas no meio de uma multidão não era o local adequado, quando se encaminharam para a saída do local do costume foram abordados pelo director do local do costume. Queria o Sr. Director se estava tudo a correr como previsto, ele responde um sim evasivo, afinal de contas ele quer é sair dali com ela, ela continua linda, ali só existe ela e o seu sorriso, ele já não se recordava da felicidade que transbordava nele quando ela lhe sorria, sentia-se vivo novamente. Ela vira a cara ao lado a ignorar o Sr. Director não fosse dar-se o caso de ainda querer conferenciar qualquer coisa que agora simplesmente não interessava nada, o director seguiu o caminho e eles continuaram a imensamente longa jornada, ainda que muito curta distância, para fora do local do costume. Ainda foram abordados por mais algumas pessoas, parecia não ter fim aquele local. Chegaram à rua, finalmente! Ele olhou para ela e ela para ele, sorriram e soltaram ambos uma gargalhada, conseguimos! Estamos livres, vamos? Vamos, mas onde queres ir? Na realidade, para já quero sentar-me contigo, só contigo, partilhar um café quem sabe um doce, quero falar contigo sem ter que dizer uma única palavra, quero ler-te nos olhos, a alma, pode ser? Sim claro, vamos. Ele colocou o braço suavemente em volta da cintura dela e seguiram sem dizer nada, apreciando o sabor do silêncio e o perfume que existia em cada um daqueles sorrisos.
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